Luiz de
Mattos deleita-nos com um trecho de sadio bom-humor, no qual revive o Rio
antigo, de ruas tortuosas, iluminadas a lampiões a gás, e com seu velho
mercado, há muito desaparecido. Mostra-nos ele, assim, que o humorismo não é hostil
mesmo aos que tomam o encargo da explanação duma Doutrina como o Racionalismo
Cristão, que, aliás recomenda o otimismo como condição precípua de sua
disciplina. E, em todo o enredo da alegre história, vislumbra-se sua
moralidade, que aparece, no final, como nas fábulas do velho Esopo.
Afirma-se, como verdade, que um louceiro, do mercado
antigo, tinha à sua parte lateral um vizinho negociante de aves e bichos
vários, entre os quais se salientavam macacos, de diversas raças e tamanhos,
desde o australiano cinzento, de olhos vermelhos e rabo curto, o africano,
quase branco, mas esguio, de rabo comprido, ao nosso mico e ao nosso mono...
Um belo dia, o vizinho, dono da bicharada descuidou-se
de bem fechar uma das gaiolas dos monos, e um deles, esgueirando-se, fugiu do
seu cativeiro, e entrou na loja de louças, escondendo-se num canto, por trás de
uma prateleira, onde se quedou, sem que ninguém suspeitasse de sua permanência
ali.
À noite, fechada a porta da loja, à hora marcada pelo
sino da Candelária, saiu o macaco do seu esconderijo, e pôs-se a passear por
todo o salão, a admirar a beleza das pinturas com que a indústria enfeitou as
malgas, os covilhetes, as bacias de rosto, os pratos, xícaras, pires e demais
objetos pertencentes a essa indústria e ramo de negócio.
Tudo pôde ele examinar com o auxílio da luz dos
lampiões de gás do Mercado, coada pelas bandeiras gradeadas das portas do
estabelecimento.
Dentre os objetos ali expostos, pegou um vaso de
criança, que achou bonitinho, e o enfiou na cabeça, por lhe parecer servir de
boné, do qual tinha saudades, desde quando o usara no tempo em que pertenceu ao
homem do realejo, que o obrigava a fazer habilidades e a receber, depois, a espórtula
do respeitável público, em cujo serviço o dono o chamava de Gregório.
Quando quis tirar o vaso-boné da cabeça, não lhe foi
fácil e, por isso, mal se viu livre de tais apuros, atirou para longe o tal
boné, que ficou reduzido a cacos, e em cacos se fizeram também umas pilhas de
pratos em que bateu...
Livre daquela dificuldade, engendrou outra habilidade
maior, que foi a de meter a mão direita num bule, dos de café, de boca estreita
e fundo largo, pensando que lá dentro tivesse algo que lhe servisse para comer,
porque já estava com fome.
Quando verificou que o bule nada continha, tratou de
retirar a mão, mas não lhe foi possível, porque sendo a boca do bule de menor
diâmetro do que a sua mão aberta, fazia o papel de uma cumbuca, e quanto mais o
macaco se esforçava para livrar-se do bule, mais preso ficava e mais aumentava
a sua aflição.
Assim, nesse estado de desesperadora arrelia,
principiou a pular, a guinchar por toda a loja, e foi reduzindo a cacos tudo em
que pisava e pegava, até que conseguiu dar com o bule de encontro a uma
prateleira, fazendo-o em estilhaços, e libertando-se de tão incômoda situação.
Desconfiado de tudo e de todos os utensílios, depois
de tais experiências feitas, não mais pegou em coisa alguma, passando a admirar
as figuras, ramos e flores, até que decidiu dar com os objetos uns nos outros,
o mais fortemente possível, para melhor poder destacar as pinturas que mais lhe
agradavam, sem ter de passar por novos apuros infligidos por bonés e cumbucas
“bulizadas”.
E neste examinar de coisas, foi quebrando a maior
parte das louças que estavam no estabelecimento comercial, de maneira que, de
manhã, quando o dono da loja a abriu, deparou com aqueles destroços, e já
pensava ter sido vítima de gatunos, de malfeitores humanos, quando, de repente,
se lhe esgueira, por entre as pernas, o célebre macaco Gregório, que, ciente do
mal que havia feito, não esperou pelo troco, já dele muito conhecido, sempre
que desempenhava mal as suas habilidades, ao toque do realejo.
É claro que a novidade correu por todo o antigo
Mercado e, dentro em pouco, toda a cidade ficou sabendo o que era capaz de
fazer um macaco em loja de louças, e assim se ficou aplicando o dito a qualquer
criatura que só faz tolices, que só pratica desatinos, de quem logo se diz: é
mesmo um macaco em loja de louças.
Fonte:
Livro Vibrações da Inteligência Universal
Devagar Se Vai Mais Longe
Fonte:
Livro Vibrações da Inteligência Universal
Devagar Se Vai Mais Longe